Direita acusa Gil, Caetano, Chico e Djavan de hipocrisia: a verdade sobre a Lei de Anistia de 1979

Quando Gilberto Gil, cantor e ex‑ministro da Cultura, e Caetano Veloso, músico e professor, foram acusados pelos Advogados de Direita Brasil de terem se beneficiado da Lei de Anistia de 1979, o debate ganhou força nas redes sociais. A acusação, que vem acompanhada de imagens manipuladas e de frases de políticos como Sóstenes Cavalcante, ignora o fato de que os artistas já haviam retornado ao país antes da promulgação da lei.
Contexto histórico da Lei de Anistia de 1979
A Lei nº 6.683, promulgada em 28 de agosto de 1979, concedeu perdão a crimes políticos cometidos entre 2 de setembro de 1961 e 28 de agosto de 1979, período que abrange boa parte da ditadura militar (1964‑1985). Seu objetivo, segundo os textos oficiais, era "reparação e pacificação nacional". Na prática, a medida libertou milhares de presos políticos, mas não cobre atos criminosos posteriores, como os ocorridos em 8 de janeiro de 2023.
Retorno dos artistas ao Brasil antes da lei
Gil e Veloso foram presos em 1968 por sua participação em movimentos de contestação cultural. Ambos foram forçados ao exílio: partiram para Londres em 1971 e voltaram ao Brasil em 1972, já antes da Lei de Anistia ser criada. Chico Buarque, por sua vez, foi exilado na Itália após ser acusado de subversão e só regressou em 1970, também antes da lei entrar em vigor. Já Djavan nunca foi preso nem exilado; sua carreira sempre se desenvolveu dentro do Brasil.
Esses retornos significam que nenhum deles estava legalmente sob a proteção da Lei de Anistia quando ela foi sancionada. O Lei de Anistia nunca precisou “cobrir” Gil, Caetano, Chico ou Djavan.
Acusações recentes e discurso da direita
Em 12 de outubro de 2025, a organização Advogados de Direita Brasil lançou um comunicado acusando os quatro músicos de serem "cúmplices do autoritarismo" por se oporem à proposta de anistia para os manifestantes do 8 de janeiro de 2023. No mesmo documento, o grupo alegou que “os mesmos que receberam a generosidade do Estado agora recusam anistia a homens e mulheres comuns”.
O discurso foi amplificado por figuras como o deputado federal Flávio Bolsonaro, que resumiu a crítica em "anistiados contra a anistia é hipocrisia", e o deputado Nikolas Ferreira, que ironizou "nem com Rouanet vingou".
Uma das faíscas do debate foi a circulação de uma montagem que coloca Caetano Veloso em duas placas diferentes: uma de 1975, com a frase "censura não, anistia sim", e outra de 2025, alterada para "censura sim, anistia não". A imagem foi compartilhada pelo deputado Sóstenes Cavalcante, que a descreveu como prova da suposta duplicidade dos artistas.

Reações dos artistas e da sociedade
Na manhã de 21 de outubro de 2025, ocorreu um protesto em Copacabana, Rio de Janeiro, que reuniu músicos, estudantes e movimentos sociais. O evento foi marcado como Protesto contra a proposta de anistia de 2023Rio de Janeiro. Gil, Veloso, Buarque, Maria Gadú e a cantora Daniela Mercury participaram, enquanto Chico César esteve em Brasília.
Em entrevista concedida ao Estadão Verifica, Gilberto Gil afirmou: "Nunca eu pedi anistia para mim. Sempre lutei pela liberdade dos meus companheiros que ainda estavam presos". Caetano Veloso acrescentou que a referência de 1975 dizia respeito a presos políticos ainda encarcerados na época, não a ele próprio.
Pastores evangélicos, como Silas Malafaia, criticaram a presença de artistas nas ruas, mas também foram alvos de críticas por parte de movimentos civis que apontaram a tentativa de relativizar a violência de 8 de janeiro.
Implicações para a proposta de anistia de 2023
A proposta, que tramita no Senado e deve ser votada até 15 de dezembro de 2025, visa ampliar os termos da Lei de Anistia para cobrir atos cometidos durante a invasão dos prédios do Congresso, Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal. Se aprovada, abriria precedentes para futuras discussões sobre responsabilização de atos violentos.
O fato de que os artistas citados já haviam retornado antes da lei de 1979 enfraquece a narrativa da direita de que eles se beneficiaram de um perdão que agora lhes é negado. Ao mesmo tempo, a polêmica demonstra como a memória histórica pode ser manipulada para fins eleitorais.
- Gilberto Gil e Caetano Veloso retornaram ao Brasil em 1972.
- Chico Buarque voltou em 1970.
- Djavan nunca esteve exilado.
- A Lei de Anistia de 1979 não os cobria.
- Protesto de 21/10/2025 reuniu mais de 30 mil pessoas em todo o país.
Perguntas Frequentes
Por que a direita acusa os músicos de hipocrisia?
A acusação parte da ideia de que Gil, Caetano, Chico e Djavan teriam se beneficiado da Lei de Anistia de 1979 e, agora, recusariam anistia a manifestantes de 2023. Na realidade, todos retornaram ao Brasil antes de 1979, o que significa que nunca foram "anistiados" por aquela lei.
Qual foi o papel da Lei de Anistia de 1979?
A Lei de Anistia perdoou crimes políticos cometidos entre 1961 e 1979, libertando presos e permitindo o retorno de exilados. Ela não cobria atos praticados após 1979, como os de 8 de janeiro de 2023.
Quem são os "Advogados de Direita Brasil"?
É um movimento jurídico de orientação conservadora que tem se organizado para defender posições de direita no debate público, inclusive criticando figuras culturais que se posicionam contra a anistia de 2023.
Qual o impacto da proposta de anistia para os participantes de 8 de janeiro?
Se aprovada, a proposta poderia reduzir penas e abrir espaço para discussões sobre responsabilidade política. Críticos temem que isso incentive futuras violações ao enfraquecer a punição legal.
Como os próprios artistas se posicionam?
Gilberto Gil e Caetano Veloso afirmam que sua luta sempre foi pela liberação dos presos políticos ainda encarcerados na década de 70. Eles defendem a memória histórica e rejeitam a ideia de que se beneficiaram de anistia que nunca lhes foi aplicada.
Anderson Rocha
outubro 12, 2025 AT 23:29Gil e Caetano voltaram ao Brasil em 1972, já antes da Lei de Anistia de 1979. Chico Buarque retornou em 1970 e Djavan nunca foi exilado. Por isso, a acusação de hipocrisia não tem base factual. A anistia cobriu crimes políticos cometidos até 1979, mas não se aplica a quem já havia regressado ao país. O debate costuma se perder em retórica ao invés de fatos históricos.